VOLUNTARIOS DO MUNDO

O PAIS DO NASCER DO SOKL « LOROSAE»


UMA NARRATIVA SOFRIDA CONTADA NA PRIMEIRA PESSOA


QUE NUNCA DEVERIA SER ESCRITA SE
TODA A HUMANIDADE TIVESSE COMPAIXAO
E SENTISSE NA SUA PROPRIA CARNE
A DOR DE VER PERDER O BRILHO
DO SORRISO DAQUELES OLHINHOS NEGROS

ELES ACOLHEM-SE
TIMIDOS E SOFRIDOS
AO PEITO DOS VOLUNTARIOS
QUE
COM O CORACAO CHEIO DE AMOR
POUCO TÊM PARA DAR
ÀS VEZES NEM SEQUER O PODER DE
SALVAR UMA VIDA MAL COMEÇADA A DESPONTAR

MAS ESTÃO LÁ
ONDE HÁ GUERRA E SOFRIMENTO
SEM MEDOS
NUMA ENTEGA TOTAL DA PROPRIA EXISTÊNCIA

Um local perdido no mundo, um qualquer local onde há guerra, mesmo no
pais do Nascer do Sol.

Voluntários, cada qual com sua historia pessoal mais ou menos dolorosa mas todas com um fim comum - encontrar a paz de espírito - se preciso - sacrificando o corpo.

A recusa de morrer na cama, junto aos entes queridos, o desafio de entregar uma vida inútil ou decrépita nem que seja em troca de um sorriso ou de minorar um sofrimento.•
A recompensa de ser útil, de estar lá de mostrar que o mundo se interessa. De poder transferir para quem sofre um pouco da sua paz interior, segurar uma mão e apertá-la tanto que se consiga transmitir a segurança de não deixar ir embora•
Triste ilusão, nem todo o amor do mundo, toda a força desse agarrar a vida chega para evitar ver partir mais um ser humano, que não entende o que se passa, que não pediu para nascer mas também não pediu para morrer.

Depois do deslumbramento de reter na memória «a alegria de um sorriso de uns olhitos negros» - citação de VIAGENS COM HISTORIA - a impotência, a frustração, a revolta e o trauma eterno de não ter conseguido evitar que se extinguisse, não só o sorriso, mas o próprio brilho desses olhinhos.

Não venham os moralistas, os religiosos, seja quem for tentar citar o destino normal de todos os mortais. Tretas! Uma criança não nasce para de seguida ser esfacelada, mutilada e morta pela ambição de poder de homens fanáticos e prepotentes que mais merecem o apodo de animais.•

Condenem-se as guerras entre os homens mas especialmente condene-se o genocídio. Se os homens querem disputar entre si a posição de macho dominante, de senhor todo poderoso, façam-no como os grupos de animais, lutando machos com machos não aniquilando seres indefesos e que ainda nem sequer despontaram na vida para entenderem essa luta.•
Usando chavões como liberdade, independência, direitos humanos, afinal encontramos sede de poder, de rapina, de vingança de usurpação.

Dêem-se prémios Nobel da paz a fomentadores de lutas fratricidas, continue-se a dar honras de chefes de estado a bandoleiros, arrivistas e chefes de guerrilha e o exemplo proliferara e tempos virão tão conturbados que a continuação da humanidade correra perigo de autodestruição.•

Os acontecimentos que se seguem datam de final de 1999. não houve coragem de os narrar mais cedo, quer pelo horror da sua lembrança, quer pelo empolgamento que a narração obviamente conteria.

Ponderar as circunstancias, tentar perceber os acontecimentos, reviver cada vez mais a distancia o que foram os horrores então vistos, ajuda a poder fazer uma narrativa clara e desapaixonada daquele dia.

Um destacamento de voluntários reunindo três nacionalidades a juntar-se as forças internacionais.

Essas forças foram colocadas no território pela ONU com o fim de manter a ordem no recenseamento populacional com vista a consulta popular para a autonomia/independência .

A situação de guerrilha arrastava-se há muitos meses, diz-se que desde o inicio do ano de 1999. Havia grupos armados que obviamente não defendiam as populações mas sim procediam a sua intimidação para que não fosse decidida a autodeterminação do território.

Dessas acções a comunicação social deu especial relevo as atrocidades exercidas pelas milícias recrutadas fora do território e que levaram a sua crueldade ao ponto de massacrarem meia centena de pessoas no interior de uma igreja.

Em meados do mesmo ano voltam as milícias a exercer toda a sua violência atacando um comboio de viveres destinados a uma ONG com cerca de 40.000 refugiados dependentes dessa ajuda humanitária.

A reacção internacional a estes acontecimentos fizeram regredir por algum tempo a ferocidade e violência dos ataques da milícia.

O processo de autodeterminação seguia o seu curso sob a vigilância apertada das forcas da UNAMET. Veio a culminar com uma ofensiva da guerrilha, planeada e coordenada, em todo o território.

A partir desta situação começa a haver conhecimento de perseguições a todos os elementos da ONU, das ONGs, jornalistas estrangeiros e simples simpatizantes do movimento independentista.

Vários pontos do pais estão completamente debaixo de fogo inclusivamente a capital e respectivo aeroporto.

É tempo de ser decidida a retirada imediata de todas as forcas de paz instaladas no pais por não haver o mínimo de garantia de segurança.

Esta descrição da situação política do pais tem como objectivo, dado o tempo decorrido, relembrar os acontecimentos para facilitar a compreensão da

HISTORIA ESCRITA COM SANGUE

Desde Abril (1999) que a situação no pais era caótica.

Após o massacre de santa cruz - DILI 1991 - para além de esporádicos episódios de confrontos entre as milícias e as tropas governamentais a situação parecia minimamente estável mesmo depois de em Janeiro (1999) ter sido anunciado o projecto de independência.

Não se entendia bem quais eram as facções armadas e assistia-se esporadicamente a tiroteios dispersos atribuídos a guerrilheiros fortuitos.•
O dia 4 de Setembro amanhece debaixo de um tiroteio cerrado, com morteirada a cair por todos os lados, não se percebendo quem eram os atiradores.

Mas que estavam lá, estavam... e em força.

O calor húmido abafadiço era irrespirável. Misturava-se o pó com o cheiro intenso da pólvora, do que parecia metal derretido, carne queimada, não tem descrição que traduza.

O pequeno grupo : Uma voluntária anónima, o Enf. Coimbra; a Enf..Adelaide; o Dr. Carlos e os espanhóis Jualsalben e Eulogio, refugiados atrás da parede de uma casa meio destruída em ERMERA aguardava uma pausa no tiroteio para atingir a viatura da UNAMET estacionada duas ruas a frente.•
Não era fácil. O fogo das armas parecia partir de um leque de 150 graus, varrendo todo o espaço à frente.

Era evidente o nervosismo dos nossos camaradas espanhóis - pressionavam para todos estarem atentos ao mais leve recrudescer do fogo para partirem; estava um avião no AEROPORTO DE BAUCAU à espera para serem evacuados mas partia a meio da tarde e tinham não se sabia bem quantos quilómetros (400?) até ao aeroporto desconhecendo-se em que condições.

Não e fácil entrar na narrativa final.... dói e doerá para sempre recordar esta descrição

No meio de toda a confusão, homens, mulheres e crianças fugindo para junto daquela parede, murmurando em tetum não se sabe bem o que, talvez Rai-lacan (terra em chama) chorando, gemendo, alguns cheios de sangue, tornando a situação ainda mais desesperante, caótica.



O CHEIRO A SANGUE EXISTE E E INSUPORTAVEL
JUNTO COM TODOS OS OUTROS CHEIROS JA DESCRITOS.

MAIS RAPIDO QUE SE CONSEGUE CONTAR

MAIS AFLITIVO QUE SENTIR UMA BOMBA PARA EXPLODIR JUNTO A NOS

MAIS PARALIZANTE QUE UM GAS

ALGUEM... NAO SEI... MAS ALGUEM

FALANDO TETUM EM TOM SUPLICANTE E CHOROSO

PASSA PARA OS BRAÇOS DA VOLUNTÁRIA UM PEQUENO EMBRULHO

QUENTE, HUMIDO, MOLE

... ESTUPIDAMENTE ELA AGARRA, SEGURA, APERTA CONTRA O SEU PEITO

ESTARRECIDA, ESQUECE O TIROTEIO, ESQUECE O BENDITO ESPANHOL A GRITAR PARA CORREREM PORQUE DC 10 NÃO ESPERA para além do previsto.

---- E OLHA ENTÃO O PEQUENO EMBRULHO

NAO QUER... NAO PODE... NAO AGUENTA CONTAR O QUE VI...
ERA UM PEQUENO SER, UMA CRIANCA ? PEQUENINA - 1 ANO, TALVEZ 2.
UNS OLHINHOS NEGROS MEIO MORTIÇOS, SUPLICANTES, OLHANDO ESPANTADOS, MAS SERENOS, SEM MEDO, TALVEZ SÓ COM UMA PERGUNTA

PORQUÊ??


«Afastei o pano que o envolvia aconcheguei aquela pasta de sangue a mim, toquei a carinha com a minha face, a mãozinha pequenina e escura agarrou uma madeixa do meu cabelo no pescoço.

Apertei bem a mim. Queria dar o meu calor, o meu sangue, não deixar fugir aquela vida

Gritei... gritei... gritei com o frio e impessoal espanhol para que me levasse ao hospital de campanha.

Estava obcecado pelo avião e gritava também para mim deja-lo, deja-lo--- a una mujer...

A mãozinha descaiu do meu caracol de cabelo, o sangue estava pastoso mas não escorria e

Aqueles olhinhos negros, parecendo molhados de lágrimas, tinham perdido para sempre a luz da existência.

Estão gravados em mim para sempre, pela sua paz, pelo perdão que pareciam transmitir e pelo amor que parecia querer ainda dar-me juntamente com uma mensagem JA NAO VALE A PENA

Adeus para sempre pequeno ser--- nem tenho a consolação de pensar na vida para além da morte para ter a expectativa de te voltar a ter nos meus braços. Então, sim, inteiro, feliz como tinhas o direito de ser; com o meu cabelo na tua mãozinha escura . Descobrir-te e saber se eras um menino ou uma menina. De ti só me ficou o teu olhar sereno.

O bendito DC 10 lá estava ainda a nossa espera depois de uma viagem por estradas e picadas impossíveis, barricadas, postos de controlo e ultrapassados todos os desafios. Uma viagem de regresso de quatro dias para esquecer, escalas técnicas, olhares curiosos e incómodos e finalmente o chegar a casa com a decepção da MISSAO NAO CUMPRIDA

A TI

PEQUENINO SER

PROMETO

QUE TAMBEM POR TI

IREI SEM RESERVAS

A QUALQUER LUGAR NO MUNDO

ONDE POSSA ALIVIAR O MEU ESPIRITO

DO DESGOSTO DE TE TER DEIXADO PARTIR


AOS MEUS AMIGOS

AO LEREM ESTA NARRATIVA
NAO TENHAM VERGONHA DE LIMPAR UMA LAGRIMA



Nota as autora: Junho 2006 - todos estamos a acompanhar na comunicação social os acontecimentos actuais neste território
NAO VALEU A PENA
… E CONTINUA A HAVER DESENVOLVIMENTOS E PROTAGONISMOS DIÁRIOS, SEMPRE DOS MESMOS INTERVENIENTES E SEMPRE VOLTADOS PERA O PODER E GANANCIA.

Comentários

Sandra Simões disse…
Leonor, os meus pelos contrariam gravidade, estou arrepiada...a sua Vida, a sua dedicação, emanam Fé Esperança e muita , muita Força. Sempre ouvi dizer que a Fé a Boa vontade movem montanhas e é bem certo :) Continue nessa sua grande luta!
Um dia adoraria cruzar-me consigo imagino-a uma pessoa que irradia boa energia, o Rui convidou-me para o mega almoço mas, infelizmente, não vou poder estar presente, mas estou certa que outras oportunidades virão.

Carpe Diem ;)

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