DIARIOS DE BORDO

O CÃO TUGA


APONTAMENTO DE VIAGEM

CURIOSIDADE


Um dos pontos turisticos aconselhados nas cartas Marroquinas, pela sua grande beleza, e a ALDEIA PISCATORIA DE MOULAY BOUSSELHAM.

Para além dos belos pratos de marisco e peixes que o seu LAGO SALGADO, ligado naturalmente ao Oceano Atlântico, oferece, ainda o espectáculo de BANDOS DE FLAMINGOS COR DE ROSA o torna ainda mais e mais belo.

Nesta aldeia esta implantado um parque de campismo que, não fora o estado de abandono e deterioração em que se encontrava, poderia ser chamado de PARAISO DE MOULAY BOUSSELHAM.

A expedição BRISA que procurou conhecer TUDO o que MARROCOS tem, não deixou de despender algumas horas neste parque natural.

Depois deste intróito, uma outra razão para este apontamento

A DIANA - A DIANA E UM CÃO PORTUGUES


Contam os pescadores que em tempos um casal de portugueses passou por MOULAY BOUSSELHAM . Tinham um cão.

Este cão, que é uma cadela, é portuguesa!

Quis o destino que a DIANA fosse deixada em Marrocos. Os donos vítimas de grave acidente foram repatriados por avião.

Logo a chegada da EXPEDIÇÃO BRISA a DIANA juntou-se aos Portugueses e adoptou-os. Pernoitou junto aos carros e afastou violentamente cães e pessoas que circulavam por perto.

Mostrou-se a DIANA de forte amizade para com todos os participantes da EXPEDIÇÃO, confraternizou, deixou-se fotografar na caravana e, quem a viu, não vai mais esquecer o seu olhar triste no momento da partida… um bocadinho do coração de alguns ficou lá com a DIANA.

Será que em Portugal haverá um casal que ainda se lembra do seu cão deixado para trás em momentos difíceis? Será que esses donos talvez involuntariamente cruéis gostarão de saber que o seu cão esta bem e… ainda fala português.?.

NOTA DA AUTORA

DOIS ANOS DEPOIS: III EXPEDIÇÃO /AJUDA HUMANITARIA

Na viagem aventurosa ate a GUINE-BISSAU para CUMPRIR UMA PROMESSA E TERMINAR UMA MISSÃO o Grupo BRISA volta a parar em MOULAY BOUSSELHAM. Para alguns o paraíso estava vazio… já não existia para nos guardar na noite … O CÃO QUE
FALAVA PORTUGUES.




FIRST OFF ROAD - MORTE NA ESTRADA


Fizeram-se muitas fotografias, escreveram-se alguns «apontamentos de viagem» mas a história completa como se passou, por tão violenta e assustadora, durante muito tempo não se encontrou coragem para a escrever.

Mas o tempo atenua tudo – o medo – a angústia - até a raiva e a impotência. Passados anos e muitas aventuras vividas no «fio da navalha» já é quase fácil reviver o passado para o descrever com a realidade possível aquele «dia mais longo» que para sempre perdurará na memória de todos os participantes na “First Off Road Maroc 95”.

O deslumbramento dos primeiros dias, atravessar campos cobertos de neve seguidos de belos prados verdes cobertos de flores e chegar à imensidão do deserto com as suas dunas cor-de-rosa. Toda a descoberta de um continente que nada tem a ver com a Europa actual, no tempo, na religião, na cultura, na hospitalidade e na gastronomia.

Facilidades de costumes menos rígidos aliados à curiosidade de descobrir e experimentar sensações novas, mais fortes e proibidas, têm mostrado a apetência para a aquisição e uso de «drogas leves» especialmente pelos mais novos.

Um charro, conjugado com a euforia da liberdade que davam os 4x4 no vencer da areia, no cavalgar das dunas e na progressão rápida no alcatrão, acaba por inebriar os menos experientes conduzindo a excessos perigosos.

E assim aconteceu…


Manhã cedo de uma qualquer sexta-feira do mês de Abril, vamos deixar para trás as areias do deserto, o lago salgado e rumar a Rissani, ao mercado berbere, com destino a Zagora. A coluna de 11 viaturas rola com facilidade depois de algumas compras e de um almoço rápido.

Não havendo ao tempo as facilidades das caixas ATM de hoje, há necessidade de chegar ao Banco a Zagora antes das 17 horas para levantar dinheiro para o fim-de-semana. Temos tempo mais que suficiente pois vamos aproveitar a planura da estrada e rolar com cadência.

Na caravana seguem duas viaturas a gasolina com menor autonomia que as de gasóleo mas duas outras estão equipadas com jerricans exteriores para suprirem aquelas necessidades. Uma paragem rápida fica o Patrol da mecânica e os Korandos a abastecer o Samurai e o Niva.


O ‘chefe’ dá instruções para que a caravana siga devagar até estarem todos de novo reunidos.


Nestas expedições é norma seguir o ‘chefe’ à frente e a ML a fechar para que ninguém se perca, o que por vezes se torna extremamente difícil especialmente em cruzamentos com semáforos e dentro de povoações. Nunca foi conseguido consciencializar os condutores para se manterem colados na cauda uns dos outros e só com esforços titânicos por vezes se consegue manter o mínimo de disciplina.

Aqui, era uma planura imensa serpenteando pelo meio de pequenos montes que aqui e acolá nos escondiam uns dos outros mas onde era fácil rolar com cadência.

Inicia-se o andamento, a ML devagar à espera de ter à sua frente todos os que não tinham ficado parados e vê passar, em bom andamento, o Terrano do Rui Fonseca, o UMM do Zé, mais um e mais outro e, espanto o Samurai com «as Amélias» (alcunha das Sras. que o tripulavam), o Golf do guia Larby e… lá vem o ‘chefe’ a abrir (parece que só em duas rodas)… Mau… e os outros quatro??

ML conferencia com a sua companheira Júlia. Conclusão: Vamos esperar que estejam todos à nossa frente --- não andamos nem mais um metro!


… E o tempo passa devagar, segundos maiores que minutos e uns poucos destes que parecem eternidades… E o tempo continua a passar… e nada… e passa e passa!

Júlia! Vem lá longe um com as luzes todas… o que quer dizer que há merda! É quem?? Está ainda longe mas não há dúvida traz pirilampo! Há merda!

É o Patrol com o João Machado está aí quase… João! Os outros?

O João pálido e consternado mas tentando aparentar controle dispara ---- Leonor vai apanhar o Amândio, temos UMA MORTE NA ESTRADA.


Os nossos estão todos bem. Um dos Korandos matou uma mulher que se atravessou – não há dúvida de que está morta --- é horrível! Eu vou voltar para junto dos outros. Por amor de Deus vai depressa buscar o Amândio – não sabemos o que fazer!

Certo João, volta e mantenham-se juntos e tranquilos, eu vou apanhar o Amândio e vamos já ter convosco.

Júlia (coisa que nunca tinhas feito nesta viagem) põe o cinto de segurança – vamos planar baixo.

Ora bem Júlia. Temos uma emergência que não está dentro das previstas, por isso vamos lá a estabelecer linhas de conduta.

É assim:
Logo que apanharmos o ‘chefe’, que já vai bem longe pelo tempo a que passou por nós, não vai haver tempo para explicações, volto para trás para o acidente e no caminho ponho-o a par da situação. Tu saltas para o UMM com o ‘PP’ (diminutivo de Pedro Pombo), contas-lhe o que se passa reúnam-se e parem junto à estrada.


Todos juntos vão aguardar até ao sol-posto e se nós não aparecermos seguem para o Parque de Campismo de Zagora que será o local de encontro até amanhã ao alvorecer.

Não sabemos o que nos espera por isso lembra-te que a partir da manhã ficam nas vossas mãos o destino de cinco jeeps e dez pessoas. Algo de muito mau se terá passado se não estivermos juntos quando raiar o sábado, por isso, nada de hesitações, logo cedo seguem TODOS para a Embaixada de Portugal em Rabat para pedirem ajuda. Certo? Certo!

… E bem! Estes gajos andaram! Olha ali vão as Amélias! Júlia, vou abrandar ao lado do Samurai, grita-lhes EMERGENCIA – ENCONSTEM – PAREM E ESPEREM. E a Júlia assim fez. Lá vamos de novo a dar tudo o que o Terrano tem! Poça, isto é que foi abrir! Do chefe nem pó!

Mais um, mais outro e depois outro, todos foram encostando e parando a aguardar sem saberem bem o quê.

O tal pó lá ao longe!!! É o UMM mas não vê os nossos sinais – agora perdemo-lo no serpentear da estrada – aqui não nos vê mesmo! E os outros lá sozinhos! Bolas! Isto não estava no programa!

Lá vai o UMM – é pá não tenho mais nada para fazer sinais e eles não nos vêm mesmo! Esta droga não dá mais! E o tempo passa… tal como quando estávamos paradas! A imensidão da planície parecia aliar-se ao comprimento dos segundos.

Finalmente! Viram-nos! Olha os stops… Já ligaram os intermitentes… Vão parar! Vamos, falta pouco! Óptimo, o guia está à frente do chefe e pode ajudar também.

Falta pouco para o princípio de um pesadelo ainda maior

E cumpriu-se o plano. Inteirou-se o chefe e o PP da situação; o guia prontifica-se para seguir para Zagora para alertar a polícia.

A Júlia salta para o UMM e Amândio vem para o Terrano e aí estamos na estrada de regresso à estrada de Rissani.

O chefe conduz a ML tem os sentidos ‘todos acesos’. Atenção… estão lá adiante… pára! Está um corpo no meio da estrada! É horrível!

O Amândio leva o Terrano para fora da estrada e, muito lentamente, ultrapassa o local onde se deu o acidente e vai juntar-se aos quatro jipes parados na berma.

Inexplicável! Como estão os quatro parados antes do corpo? Simples, o João Machado explica:

Vinham todos a andar bem, havia umas pessoas na berma da estrada, passou o primeiro Korando e uma camponesa com um molho de verdura às costas, corre a atravessar a estrada a olhar para o carro que tinha passado e sem ver o segundo Korando.

Tempos passados compreendeu-se como é que um condutor se desvia de um peão para o lado para onde ele corre. Era fatal apanhá-lo, primeiro com o guarda-lamas e retrovisor e depois enrolando-o debaixo da carroçaria, fazendo aquelas medonhas fracturas expostas e imprimindo no cadáver tal desfiguração que só será possível ser imaginada por um qualquer Frankenstein.

Não estivesse o condutor debaixo do efeito «daquela coisa que faz rir», que a ele agora fazia chorar mas que ao companheiro ainda fazia rir e o passar por detrás do peão teria evitado esta situação dramática para todos os companheiros. Mas Marrocos faz disto à juventude!!

Depois do embate o Korando empreende a fuga e é o João Machado que o ultrapassa e o faz voltar para assumir a situação. Todos em caravana invertem a marcha mas a pressão é tanta que nem vêm o erro de colocarem os carros antes do acidente, local onde os fomos encontrar.

À beira da estrada estarão nesta altura uns 20 ou 30 ‘mouros’, todos de ‘djelabas’ iguais rodeando um outro que se via logo ser de condição superior, que falava francês e que muito útil nos foi como interlocutor e testemunha.

O ‘chefe’ tranquilamente acercou-se indagando das providências que já tinham sido tomadas e informando que o guia que nos acompanhava já tinha seguido para a Gendarmerie de Zagora a pedir ajuda. A Jurisdição era de Rissani e já tinha sido dado conhecimento às autoridades e pedida uma ambulância. Havia que aguardar… E os ‘mouros’ têm todo o tempo do mundo! Os dias são todos iguais do nascer ao pôr do sol… para além de umas preces a Allah nas horas certas, nada mais para os fazer mover.

E o tempo lá continua a passar, devagar, devagarinho, quase parado, mas as sombras do fim do dia já começam a estender-se. Vão chegando cada vez mais ‘mouros’, serão 50 ou 60. Assustadores, todos iguais, nas tais sombras do fim do dia e o ‘chefe’ no meio deles, tranquilo, dialogando. Consulta o tal de condição superior da possibilidade de mover os carros e pô-los em concordância com o acidente e de ir um deles embora para dar noticias nossas ao resto do grupo.

O «savoir faire» do ‘chefe’ resulta. O Terrano é colocado antes do acidente para que todos compreendam que ninguém vai fugir. Os outros passam por fora da estrada e vão parar logo após o corpo. Com um suspiro a ML vê o Niva partir para junto do grupo saindo da «cena de terror».

As sombras são mais longas, é sol-posto. Virada para Meca toda aquela multidão faz as sua orações. O que deveria parecer tranquilo e reconfortante é simplesmente tenebroso.

Pela mente do ‘chefe’ já tinha passado a interrogação – e se um destes gajos decide dar-me a primeira navalhada? Virá outro, outro, outro, são tantos e todos iguais… no fim, não terá sido ninguém! Como irá ser? Vou cair às mãos deles? E a polícia não vem, e o guia terá feito alguma coisa.

O pouco trânsito faz-se por fora da estrada; agora é um camião que se desvia, ao passar junto ao pessoal dos jipes estacionados faz com a mão um significativo gesto de fugir seguido de outro de cortar a cabeça. Agora já ninguém ri! O resto «daquilo que faz rir» ficou debaixo de uma pedra na berma da fatídica estrada.

Umas luzes vindas de Rissani – é finalmente a polícia. O ‘chefe’ respira, lá se safou da prevista navalhada. É o graduado com quem esteve conversando na povoação quando foi feito o abastecimento dos gasolinas. Simpático, profissional e cooperante. Foi uma das nossas objectivas que fotografou o corpo e foi suficiente a palavra do ‘chefe’ de que, na manhã seguinte, faria entrega das revelações na Gendarmerie de Zagora.

Mas o pesadelo ainda não terminou, chegou a ambulância vinda de Zagora, (uma Renault 4L) levantou o corpo e fez uma pira fúnebre no local de onde o retirou. Na berma da estrada outra fogueira (de quê nunca conseguiremos saber) A multidão agora menos silenciosa, as fogueiras ardendo na noite de breu, um arrepio, não só do frio da noite como do adejar da morte que nos tinha roçado.

E a lição… Um jovem, quase um garoto, aproxima-se do Terrano com ar grave. Com espanto a ML escuta o que ele lhe diz em francês «senhora, não esteja triste, vocês não tiveram culpa, ELA foi chamada, tinha que ir, ela está com Allah».

Finalmente estamos de novo na estrada e vamos reunir-nos aos nossos companheiros. Espanto!! Ainda estão no sítio onde deixáramos o primeiro, encolhidos uns contra os outros como passarinhos enjeitados. O guia Larby que, confessou, num primeiro momento decidira fugir e deixar-nos à nossa sorte, tomara consciência e lá tinha regressado até junto de grupo depois de uma passagem pela Gendarmerie de Zagora.

Em todas as situações dramáticas parece haver sempre uma pausa para ajudar a suportar a tensão. A pausa deu-se. O Larby ao acercar-se do grupo foi logo interrogado sobre o ponto de situação. Não podendo dar informações concretas porque não tinha estado no local do acidente, mostra-se contudo muito satisfeito exibindo uma carta do ‘seu primo’ Chefe da Policia de Zagora, dirigida ao homólogo de Rissani, em árabe, pedindo a sua colaboração na resolução do assunto.

A fleuma não britânica mas portuense do nosso companheiro Roças deu para comentar «que sim, que estava muito bem escrita… não tinha erros», motivo de risos (bem amarelos) de todos os presentes.

Vá cambada, vamos seguir para o oásis de Zagora no Vale do Draa e, como estamos todos juntos, já não é preciso parque de campismo --- vamos desfrutar de um belo hotel destes ‘mouros’ que até já sabem o que é civismo.

Houve quem desfrutasse menos. Para quebrar o stress as garrafas que estavam guardadas no cofre do UMM foram descobertas pelo PP e …consumidas…Ao chegar ao Hotel, alguns sem saberem como, houve quem ficasse a dormir no Patrol, quem fosse para o quarto e quem fosse para a tenda berbere onde a chuva torrencial dessa noite entrou a rodos «mas não perturbou» quem a recebeu em cheio. Tal era!!

A NOSSA MEMÓRIA É ASSIM – O TEMPO DEIXA NARRAR A PERDA DE UMA VIDA JÁ SEM EMOÇÃO.

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